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Formação estética, humana: sentido do teatro na escolaLuciana Lyra

A busca pelo belo – a que se chama de busca de um prazer estético – isto é, a combinação de certos elementos destinados a despertar o prazer dos sentidos, surgiu com o próprio ser humano. Não se conhece agrupamento desta espécie, por mais rudimentar que seja ou tenha sido seus meios intelectuais e técnicos, que não tenha procurado alguma maneira de satisfazer essa necessidade.

Os seres da natureza, bem como os objetos culturalmente produzidos, despertam em todos nós diversas emoções e sentimentos agradáveis ou não aos nossos sentidos e ao nosso entendimento. Logo ao nascermos, passamos a viver em um mundo que já tem uma história social de produções culturais que contribuem para a estruturação de nosso senso estético.

Assim, a procura da beleza é inerente ao ser humano, independente de sua classe social ou do meio em que ele vive. A escolha de uma roupa, a emoção que sentimos ante a uma paisagem já são atos estéticos. A arte é uma manifestação ligada intimamente ao espírito humano, portanto exerce importante função na vida das pessoas e na sociedade desde os primórdios da civilização, o que a torna um dos fatores essenciais para a e humanização.

As manifestações artísticas cumprem essa função, proporcionando a ocasião mais pura de uma experiência estética, e nisto reside seu valor. Hegel afirmou que a virtude própria da arte é poder dar das idéias mais elevadas, dos mais altos interesses do espírito, uma expressão sensível e accessível a todos. Desta maneira, a educação pela arte não terá somente que fazer do futuro homem um esteticista, mas também e  sobretudo permitir o seu acesso àqueles valores, interesses e idéias mais elevadas.

 É um enorme prazer expressar os próprios sentimentos, as emoções, opiniões e impressões por meio da arte, numa transposição idealizada de experiências, desejos, aspirações, sonhos, angústias, frustrações. O teatro faz-se presente, enquanto arte, no processo de descoberta desta capacidade de transposição, tratando-se inquestionavelmente de uma arte privilegiada, por  que se dirige a todas as potencialidades anímicas: à sensibilidade, à imaginação, ao entendimento, e porque o ser humano se reconhece  sobretudo  através da ação, em suas lutas, vitórias e fracassos, em suas transgressões e sanções, e sempre em sua relação com os outros.

O teatro pode ser considerado, uma metáfora do mundo, uma forma de representação simbólica que consiste em aprofundar significados da realidade, invertendo seus mecanismos, e imitando o que este possui de mais verdadeiro e imutável.

Na inconsciência dos povos, as representações mágicas, os rituais dramáticos traduzem-se num antigo sentimento de beleza que floresce ao mesmo tempo que se conserva e se realiza na memória das coletividades, tendo como função ontológica a sacralização do mundo. O contato entre o universo dos sentidos e o da contemplação absoluta celebrados nessas manifestações, são sempre atualizadores dos significados últimos de vida.

O ato de dramatizar está potencialmente contido em cada um de nós, como uma necessidade de compreender e representar a realidade, sob um prisma de encanto e sensibilidade, que nos coloca acima dos valores aparentes do cotidiano e nos auxilia a atingir um verdadeiro grau de abstração e universalidade, numa forma de querer remontar às causas, de suscitá-las, de descobri-las, enfim, de transformá-las.

 Naturalmente,  esta potencialidade da dramatização vem sendo observada, ao longo da História, por diversos pensadores, que não se eximiram de propor a ligação entre o teatro e a educação. Registros datam a secularidade desta união, figurando desde a Grécia Antiga com eminente filósofo Platão, que apostava na atmosfera lúdica por meio dos jogos de expressão como imprescindível ao desenvolvimento da personalidade de crianças e jovens.

O Teatro-Educação vem percorrendo todo processo histórico, por meio das reflexões e práticas de filósofos, educadores e artistas, que comumente enfatizam sua necessidade como um construtor da personalidade. Nesta perspectiva podemos perceber que o teatro na escola, como o teatro profissional deveria ser, não visa exclusivamente ao produto a ser exibido, mas se manifesta como instrumento educativo e estético processual, que favorece não só ao desbloqueio dos mecanismos de expressão, mas vai além na indução do encontro de um ser com o outro. Tudo isso sem prejuízo da função meramente de entretenimento que todo homem, e com maior razão a criança, faz jus.

O teatro na escola não tem assim o compromisso de formar um ator, mas sim de dar oportunidade a cada aluno de descobrir o mundo, a si mesmo e a importância desta arte para a vida humana, na sua dimensão sócio-histórica, vislumbrando uma atuação na coletividade como sujeito que opina, critica, sugere para transformação.

O teatro para crianças e adolescentes na escola, que deve ser entendido como arte, acentua o caráter ficcional e o jogo, e é talvez umas das formas artísticas que oferece maiores possibilidades para o desenvolvimento de uma personalidade integrada e harmoniosa em seu duplo sentido: coerente consigo mesma e em relação positiva com o meio social, dispostos a fazer prevalecer nele os valores compatíveis com a felicidade do grupo.

Sendo assim, o teatro deve compor os conteúdos de estudos nos cursos de Arte na escola e mobilizar as atividades que diversifiquem e ampliem a formação artística e estética dos estudantes, o que desembocará em resultados surpreendentes no tocante ao amadurecimento criativo, além do desenvolvimento da segurança individual, da consciência grupal e da ética, possivelmente aplicável no mundo do porvir. Ao apreciarem, participarem do processo dramático, os participantes tornam-se mais capazes para uma possível inserção ativa e criadora na sociedade.

Entretanto o teatro, mesmo secularmente comprovado como uma linguagem fundamental ao desenvolvimento, foi previsto nos parâmetros curriculares nacionais apenas na contemporaneidade(PCNs-ARTE/1997) e,  na observância de dados  concretos em Pernambuco,  ainda figura em muitas escolas do estado como mero instrumento espetacular ou de recreação, desconsiderando suas especificidades e seus benefícios na  construção da sensibilidade e cognição do aluno.

Faz-se mister assim que estas escolas, bem como a instituição familiar e o corpo docente assumam essas reflexões, para que juntos possamos dissolver os preconceitos, no estímulo à humanização da sociedade em que vivemos, abrindo os caminhos da criatividade e, posteriormente, da criticidade individual e coletiva para libertação, por intermédio do conhecer e do agir na sua própria realidade, enquanto indivíduo e ser social.

 

 

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