Textos

Benvinda onde tu tá? Benvinda e agora? Assombrações do Recife Velho e Centenárias... Morte e renascimento na dramaturgia de Newton MorenoLuciana Lyra

Autor, encenador, diretor e ator teatral, radicado em São Paulo desde 1990, o pernambucano Newton Moreno destaca-se no cenário brasileiro especialmente no âmbito da escrita dramatúrgica. Sua dramaturgia manifesta herança da cultura popular, influências da origem do Nordeste, e compreende temas de impacto em torno do homoerotismo, tônica atemporal que transita entre o campo e a cidade. Dentre seus textos de maior relevância, estão: Agreste, As Centenárias, Maria do Caritó, A cicatriz é a flor, Jacinta. A partir de 2005, junto à companhia teatral paulistana Os Fofos Encenam, Moreno marca, como encenador, seu retorno ao berço nordestino com a escrita e a montagem da peça Assombrações do Recife Velho, inspirada em texto homônimo de Gilberto Freyre. Dentre seus textos dramatúrgicos, podemos apontar em Agreste, Assombrações do Recife Velho e As centenárias, a presença das carpideiras no seu incessante diálogo com a figura fantástica da Morte, a ‘primeira-dama’ dentre as manifestações do inexplicável. Nas duas últimas dramaturgias, a comunicação fantástica com o outro lado dá-se com imponderável humor e vem a ser o ponto de partida desta comunicação. Desde as incelenças cantadas no enterro da popular Dona Benvinda, em Assombrações, às artimanhas de Zaninha e Socorro frente ao desencarne do filho da primeira, vê-se desfiar um rosário de estratégias do imaginário popular para a enganação da morte. Por detrás de disfarces, trocas de identidade, condições ardilosas e rezas que não se acabam, esconde-se o desejo de ludibriar o destino certo do ser, o encontro com a dita cuja. Ao final da peça Assombrações do Recife Velho, Dona Benvinda empreende duas jornadas consecutivas ao mundo dos mortos, travando conversações com o Diabo e depois com Jesus, revendo seus entes queridos e seus desafetos, com intensa galhardia. A comunidade, como um coro, acompanha a saga da velha, tendo como corifeus as carpideiras, Rosa, Maria e Minervina. No terceiro e último desencarne de Benvinda, configura-se a interrogação de Maria, dando cabo do espetáculo: Benvinda onde tu tá? Benvinda e agora?, desdobrando em silêncio preenchido por sons de natureza na anunciação do enigma maior da existência. Em As Centenárias, Socorro engana a morte quando ela vem buscar o filho de Zaninha. Carpideiras no Sertão do Cariri, campo místico do interior do Nordeste, terra de romeiros, de beatas, de procissões, de milagres, do insondável, Socorro e Zaninha viveram mais de cem anos, boa parte deles ao serviço da Morte. O texto desvela uma jornada de amizade entre as duas em dois planos, passado e presente, afinal elas dizem que nunca morrem, por que fizeram pacto com a patroa. Ao final da peça, a exemplo de Assombrações, descortina-se a soberania da morte, por que como enuncia o próprio Moreno: Não se engana a morte para sempre, mas dá para se divertir com tentativas de passar-lhe a perna. Talvez todo teatro seja um teatro da morte (2009). Há de se afirmar por fim, que após cada morte, um renascimento segue, no sentido de encontrar a lei interior de cada ser, e a vida toda se volta para esta busca interminável.

 

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